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2020 foi o ano das startups no Brasil

healthtech

Por Maristone Gomes


Fala-se muito que startups podem se adaptar a situações de crise com mais agilidade do que empresas de grande porte. Em geral, temos times pequenos, somos versáteis e estamos acostumados a pensar rápido e resolver problemas. Nunca isso foi tão verdade como em 2020. Devastador para toda a humanidade, o ano passado potencializou a adoção de tecnologias e obrigou investidores e negócios a buscarem soluções ainda mais inovadoras e muito mais rapidamente. As startups que aguentaram as incertezas econômicas e sociais vindas com a pandemia de Covid-19, conseguiram crescer, receber aportes, desenvolver novos produtos de acordo com a demanda e ajudar pessoas.

Segundo um relatório preparado pela consultoria Distrito, as startups brasileiras receberam aporte de 3,1 bilhões de dólares, ou cerca de R$ 16 bilhões, em 2020. O valor é um recorde histórico e representa um crescimento de 17% em relação a 2019. Segundo o estudo “Startup Retrospective 2020”, da plataforma Sling Hub, o montante foi negociado em 452 rodadas – o equivalente a uma investida a cada 19 horas.

Fechar o ano com saldo “positivo” não foi fácil. Na Salvus também vivenciamos o choque inicial e a necessidade de tomar decisões inteligentes para continuarmos trabalhando em segurança. Em seguida, sentimos nossa missão bater à porta: precisávamos ajudar. Escrevemos um pouco sobre esse momento e você pode conferir neste link.

Hoje, gostaria de dividir um pouco do meu resumo sobre 2020. Este texto traz também um minha percepção que possibilita uma pequena dose de reflexão sobre o que temos pela frente. Como as empresas de tecnologia enfrentaram a crise e o que o futuro reserva para esse setor?

O impacto da pandemia nas startups

Logo no início da quarentena, em março, uma carta deixou todo o mercado pessimista. O documento foi escrito por funcionários da Sequoia, uma das maiores empresas de venture capital do mundo, e era endereçado aos CEOs e fundadores da companhia. No comunicado, os empregados detalharam os receios da equipe quanto à saúde financeira da empresa em meio às restrições impostas pela pandemia. Após listar possíveis problemas, como falta de matéria-prima e redução na demanda em escala mundial, a carta fazia um alerta:

“Levará um tempo considerável até que possamos ter certeza de que o vírus foi contido. A economia global vai demorar ainda mais para se recuperar. Alguns vocês podem enfrentar desafios de abastecimento. Embora o banco central dos Estados Unidos e outros bancos centrais possam cortar as taxas de juros, a política monetária pode se mostrar insuficiente para aliviar as ramificações econômicas de uma crise de saúde global”.

Em abril, outra bomba. A companhia de investimentos Kaszek Ventures enviou uma carta aos líderes da sua rede de empresas dizendo, categoricamente, “o pior aconteceu”. O comunicado pedia a todos que adotassem uma postura de batalha e reforçava a gravidade do momento. “Vemos um ambiente muito semelhante ao de 2000 e 2008 em termos da necessidade de agir rapidamente e das consequências catastróficas da inércia. Estivemos lá naquela época e vimos os danos às empresas com líderes que ignoraram os sinais, ficaram passivos e esperaram pelo melhor”.

P.S.: Recebi mais de 70 mensagens de colegas empreendedores, e em praticamente todos os grupo do whatsapp, falando e perguntando sobre essas cartas.

Em seguida, a carta sugeria 10 ações. Entre os conselhos estavam:

  • “Trabalhe presumindo que as receitas vão cair para zero e que nenhum novo capital estará disponível por vários trimestres”.
  • “Cancele planos de expansão”.
  • “Considere reduzir salários nos próximos meses”.
  • “Contratos com todos os fornecedores devem ser ajustados à nova realidade”.
  • “Reduza fortemente os gastos com marketing/vendas”.

Foi impossível ler palavras tão fortes e não ficar consternado. Entretanto, percebi que a maioria dos pontos levantados poderiam ser relativizados de acordo com o momento da empresa, produto e mercado. Era óbvio o fato de que o momento exigia muita tecnologia e para diversos setores e essa necessidade seria um grande drive de crescimento. Ou seja, a maioria dos pontos das cartas deveriam ser desprezados a depender do setor e solução desenvolvida pela empresa.

Por outro lado, para produtos e mercados que tiveram restrição de crescimento, como o de turismo por exemplo, deveriam ser seguidos por completo.

 O pânico inicial e o pior momento 

O que as pessoas fazem quando estão com medo? Recuam. A apreensão com as cartas geraram um comportamento mais conservador nas startups. Fundos investidores pausaram os aportes e esse cenário gerou muitas incertezas.

As notícias preocupantes se multiplicavam. O banco digital C6 demitiu 60 pessoas. A startup Max Milhas, especializada em intermediação de milhas em programas de fidelidade de companhias aéreas, desligou cerca de 40% do seu time. A Gympass dispensou 15% da equipe. 

Empresas grandes também divulgaram demissões e reduções. A Waze fechou escritórios e demitiu pessoal na Ásia e na América Latina. A AirBnB cortou 1.900 funcionários. Por aqui, o Banco Neon anunciou demissões e a Eventbrite fechou as operações brasileiras, fora outra centena de casos.

Apesar de muitas dessas empresas estarem certas em suas movimentações, tudo isso se somou para criar um clima muito ruim de ansiedade e apreensão. 

“Aqueles que lideram a revolução nascem nestes momentos”

Diante desse cenário, o manifesto da Ace Startups veio como um momento de virada. Em uma carta aberta, a aceleradora estimulou todo o ecossistema a jogar no ataque. O texto lembrava a velha máxima de que “mar calmo nunca fez bom marinheiro” e que a crise era a hora de redobrar os esforços. “Empreendedores e investidores de startups são os maiores tomadores de risco da economia de qualquer país. São nestes momentos que o propósito de impactar mercados através da inovação prevalece, onde os reais agentes de mudança florescem e que empresas estabelecidas passam a ser mais criativas na resolução de problemas complexos. Aqueles que lideram a revolução nascem nestes momentos”.

A publicação da Ace não trazia só palavras motivacionais. Continha também dados sobre startups que estavam prestando serviços relevantes nos meses de quarentena e apontava alguns caminhos que o mercado poderia seguir para sobreviver e crescer na crise.  

Fiquei extremamente feliz em ler o nome da Salvus na carta da Ace. O texto citava empresas que estavam atuando no combate ao coronavírus e mostrou o nosso trabalho e o da Hi Technologies, de Curitiba. As startups que participam da iniciativa da ABStartup voltada para a Covid também foram destacadas.

Postura ativa e vontade de resolver problemas

Aos poucos, o jogo foi virando. Uma pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral, a Orbi Conecta e a Abstartup mostrou que “mais de 60% das startups mostram postura ativa na reestruturação e inovação dos negócios” durante os momentos críticos na pandemia. 

O estudo cobriu mais de 30 segmentos de negócios, incluindo tecnologia, serviços e fintechs para compreender os impactos da Covid-19 nas atividades das startups brasileiras. A pesquisa detalhou que a geração de resultados positivos veio na forma de: demanda de novos clientes, demanda por novos produtos e crescimento da receita. 

Startups contra a pandemia 

Como o manifesto da Ace havia indicado, de fato várias startups conseguiram crescer durante a pandemia trabalhando nos esforços conjuntos para combater o vírus. 

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) criou o Hub Covid-19, um centro de estudo interno, para pensar soluções econômicas neste momento de crise. O grupo analisou os desafios que as startups estão enfrentando e as oportunidades que podem surgir. Dessa pesquisa, saíram notícias boas e ruins. Por um lado, segundo a OCDE, a pandemia reduziu o ritmo de criação de novas startups e as empresas desse tipo já registram desafios à sobrevivência e limitação do crescimento. Por outro, a boa notícia é que o estudo também identificou diferentes exemplos de startups que ofereceram soluções relevantes durante a crise e ajudaram até mesmo governos nacionais com inovações, especialmente nas áreas de trabalho remoto, educação e serviços de saúde.  

Saldo das startups em 2020

A demanda por soluções digitais foi o impulso que resultou no recorde de investimentos nas startups. Além do aporte total de 3,1 bilhões de dólares, o relatório da Distrito destacou ainda os investimentos nos estágios anjo, pré-seed e seed. Em 2020, foram fechados 337 aportes nesses perfis. Esses acordos somaram 172 milhões de dólares, com destaque para as 200 rodadas de seed. Segundo o estudo, as fusões e aquisições de startups também atingiram o maior nível histórico, com um crescimento de 154% em relação a 2019. Em termos absolutos, houve 163 fusões e aquisições em 2020, quando em 2019 haviam sido 64.

“A aceleração ainda maior do processo de transformação digital para lidar com os efeitos do isolamento gerou o maior nível histórico de aquisições de startups por grandes empresas. O e-commerce, cujo ecossistema conta com inúmeras soluções oferecidas por startups, teve a maior alta em 20 anos. Soluções de delivery, trabalho remoto, automatização de processos pipocaram. Tanto movimento no mercado gerou um forte aquecimento nos investimentos. Em agosto, o volume acumulado de aportes já superava todo o ano de 2019, mesmo em plena pandemia”, explica o Estadão.

A tendência é mundial. Na Europa, os investimentos totais em startups em 2020 foi de 41 bilhões de dólares, segundo a revista Forbes. Esse número é maior que o de 2019, que ficou em 38,6 bilhões de dólares. Ainda segundo a publicação, nos Estados Unidos, o montante aportado por fundos de capital de risco em startups foi de 141 bilhões de dólares em 2020. Para as empresas asiáticas, o valor chegou a 74 bilhões de dólares.

Startups de saúde

Startups healthtechs e aquelas com tecnologias que facilitam o novo normal apresentaram crescimento e foram as que receberam mais investimentos.

“Durante a pandemia global, a saúde digital certamente chamou atenção das empresas provedoras de atendimento de saúde. Nos primeiros seis meses em 2020, os investidores despejaram 5,4 bilhões de dólares na indústria de saúde digital”, informa o Rock Health Report, falando do cenário dos Estados Unidos. Ao final do ano, US$ 61 bi foram investidos nas healthtechs em todo mundo.  

A Eretz, incubadora de startups do Hospital Israelita Albert Einstein, chegou ao impressionante número de 84 empresas incubadas em seu programa.

No Brasil, temos inúmeros casos de grande crescimento, mas gostaria de citar o da Moodar, que oferece consultas psicológicas online e teve um salto de 1400% no número de atendimentos em comparação a 2019.

Expectativas para as startups de saúde em 2021

Mesmo com os altos investimentos feitos em startups em 2020, a expectativa é de mais aportes em 2021. As principais beneficiadas devem ser as healthtechs e as fintechs. Acredito que podemos ter mais que o dobro dos investimentos que tivemos em 2020.

Um relatório do Fórum Econômico Mundial sobre o futuro do trabalho hiperconectado antecipa quais serão as áreas mais impactadas pelas transformações tecnológicas: “setores da Medicina impactados pelo avanço da telemedicina, seguidos pelos setores de energia e indústria, construção e extração, entretenimento, e ainda, o setor jurídico”. O estudo continua, explicando que “haverá uma maior demanda por especialistas em big data, desenvolvedores de Inteligência Artificial (IA) e outras tecnologias emergentes”. 

Temos muito trabalho pela frente

Trabalhar com inovação e tecnologias emergentes nunca será fácil. Estamos abrindo caminhos, trilhando rotas nunca percorridas. Criar soluções de vanguarda exige a ousadia de fazer o que não foi feito antes. A pandemia, e todas as incertezas pessoais, sociais e econômicas que vieram com ela, acabou dando mais uma dimensão a esse cenário que já era bem desafiador. Que bom que já estamos acostumados a enfrentar desafios, não é mesmo? Vamos com tudo em 2021! 

Fontes:

Conversas com amigos e colegas.

Sequoia – https://buff.ly/2vGMkUx

Kaszek – https://buff.ly/3hSWo0e

TI Inside – https://buff.ly/3onhnL8

Startups – https://buff.ly/3hX0VPy

O Estado de São Paulo – https://buff.ly/2Xqsln6 / https://buff.ly/3s4GbKf

Ace Startups – https://buff.ly/3991hhQ

Whow – Inovação para negócios – https://buff.ly/3gMIvzo

Mobi Health News – https://buff.ly/35pdGNs

Rock Health Report – https://buff.ly/3npA1AL

CNN – https://buff.ly/35oGlm1

O Futuro das Coisas – https://buff.ly/3oy1rWI

Fortune –  https://buff.ly/3oEart2

LinkedIn – https://buff.ly/2MHwGQR

Confira o artigo no LinkedIn do nosso CEO:

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