Por Maristone Gomes
DPOC: A doença respiratória que você nunca ouviu falar é a terceira causa de morte no mundo
Não é uma sigla muito popular: DPOC. Poucos a conhecem. DPOC quer dizer Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica e, ao contrário do nome, a condição em si é bem comum. Isso quer dizer que há um grande número de pacientes não diagnosticados. A DPOC causa sintomas respiratórios persistentes e limitações do fluxo de ar. Eu estou falando sobre essa doença logo agora porque, infelizmente, o cenário está se agravando. A DPOC continua pouco falada, mas está se tornando cada vez mais prevalente, sendo a terceira doença que mais mata no mundo. Ela se tornou uma ameaça ainda mais séria à nossa saúde por conta de dois fatores invisíveis que, mais do que nunca, estão ao nosso redor: a poluição e o coronavírus.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, 3 milhões de pessoas morrem por ano de DPOC. O Bold, um grupo de estudos baseado na Imperial College de Londres, estimou que o número de casos de DPOC foi de 384 milhões no mundo em 2010. De acordo com o Bold (sigla em inglês para “Fardo da Doença Pulmonar Obstrutiva”), esse número está subindo, especialmente em países desenvolvidos, e deve chegar a 5.4 milhões de mortes por ano em 2030.
O que é DPOC e porque ela é grave?
Se a má notícia sobre a DPOC é que ela é uma doença grave e “invisível”, a boa notícia é que ela é evitável e tratável. A virada do jogo acontece quando as causas são identificadas e minimizadas, e quando os pacientes recebem o diagnóstico e os tratamentos corretos.
A Iniciativa Global para Doença Obstrutiva Crônica do Pulmão (Gold, na sigla em inglês) foi formada em 1997 e, desde 2001, produz relatórios anuais com informações técnicas sobre a DPOC para ser usada como referência por profissionais e gestores de saúde. Como o nome já indica, a Gold une esforços de especialistas de vários países e tem respaldo internacional. Muitos dos dados que vou citar aqui foram divulgados no relatório deles este ano. É da Gold a classificação da DPOC como uma doença “comum, evitável e tratável”.
A doença é caracterizada por dificuldades respiratórias persistentes e fluxo aéreo limitado causados por anormalidades das vias aéreas e / ou do alvéolos. (Os alvéolos pulmonares são os milhões minúsculos sacos aéreos que temos nos pulmões). A DPOC pode ter causas genéticas ou ocorrer por conta do envelhecimento. Entretanto, as “anormalidades” têm, em geral, uma causa principal: exposição significativa à partículas ou gases nocivos.
Durante muito tempo, o tabagismo foi a forma mais comum de expor nosso sistema respiratório a substâncias nocivas. Hoje, há também o risco gerado pela poluição do ar e pelos gases provenientes da queima de combustíveis fósseis.
Os sintomas mais comuns da DPOC são: dificuldade de respirar, tosse e secreções nas vias respiratórias. Muitos pacientes mais velhos acham que esses problemas são culpa da idade e acabam não procurando ou recebendo o diagnóstico correto.
Mistura de enfisema com bronquite
Indivíduos com DPOC têm suas vias respiratórias danificadas aos poucos e muitas vezes têm que lidar com inflamações crônicas. Por essa soma de problemas, é comum se referir à DPOC como “uma combinação de enfisema com bronquite”. O relatório da Gold explica que essa definição não é suficiente porque descreve apenas parte do que acontece no corpo do paciente.
“A limitação crônica do fluxo de ar, é causada por uma mistura de doença das pequenas vias aéreas e da destruição do parênquima”, diz a publicação. Parênquimas são conjuntos de células que determinam a função de cada órgão e os danos a eles vão comprometendo a capacidade pulmonar do doente. “A inflamação crônica causa mudanças estruturais, estreitamento das pequenas vias aéreas e destruição do parênquima pulmonar que leva à perda de ligações alveolares às pequenas vias aéreas e diminui o recuo elástico do pulmão. Por sua vez, essas mudanças diminuem a capacidade das vias aéreas de permanecerem abertas durante a expiração. A perda de pequenas vias aéreas também pode contribuir para a limitação do fluxo aéreo e a disfunção mucociliar”.
Em outras palavras, fica bem difícil respirar.
A causa invisível para uma doença grave: poluição
Embora o tabagismo seja a principal causa da destruição de células que a DPOC provoca, a poluição também é um dos fatores de risco. A relação direta entre poluição do ar em ambientes urbanos e a DPOC ainda está sendo estudada, mas os dados confirmados até agora são alarmantes.
Já está estabelecido, por exemplo, que altos níveis de poluição do ar são prejudiciais para pessoas com doenças cardíacas ou pulmonares em geral e o relatório da Gold mostra que “há evidências de que a poluição do ar tem um impacto significativo na maturação e desenvolvimento do pulmão”. O estudo Children’s Health é um dos maiores do mundo em pesquisa da saúde pulmonar de crianças. Eles descobriram que meninos e meninas que moram em comunidades com os níveis mais altos de dióxido de nitrogênio no ar tinham quase cinco vezes mais probabilidade de ter função pulmonar reduzida em comparação com crianças de regiões com níveis mais baixos do poluente. Ou seja, os pequenos crescem com a capacidade pulmonar reduzida quando expostos à muita poluição.
Esse problema pode ser especialmente importante para o Brasil já que o estudo identificou que “a pobreza está consistentemente associada à obstrução do fluxo de ar e o nível socioeconômico mais baixo está associado a um risco aumentado de desenvolver DPOC”. A suspeita é que a maior suscetibilidade seja causada por uma combinação de “exposição a poluentes do ar interno e externo, aglomeração, má nutrição, infecções ou outros fatores relacionados ao baixo nível socioeconômico”.
Crescimento da doença
Em 2016, li uma pesquisa que projetava que, em 2020, a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica ultrapassaria o diabetes no ranking de enfermidades mais fatais no mundo. Isso de fato ocorreu. Já em 2018, a Organização Mundial de Saúde divulgou que as principais causas de morte globalmente eram:
- Cardiopatia isquêmica
- Acidente vascular cerebral (AVC)
- Doença pulmonar obstrutiva crônica
- Infecções das vias respiratórias inferiores
- Alzheimer e outras demências
DPOC é a terceira da lista. Diabetes ficou em sétimo. Note que outras infecções das vias respiratórias ocupam a quarta posição. Segundo o mesmo ranking, em 1990, a DPOC estava em décimo segundo lugar.
DPOC no Brasil
Mais de 6 milhões de pessoas convivem com as limitações da DPOC no Brasil. Segundo um levantamento publicado na revista Veja, em 2018, mais de 100 mil pacientes precisaram ser internados por conta da doença. Dados do Sistema Único de Saúde (SUS) mostram que a DPOC é a quarta causa mais comum para as hospitalizações nos hospitais públicos e que a doença causa a morte de 40 mil pessoas por ano no Brasil.
Um estudo do SUS de 2013 afirma sem meias palavras que, em países industrializados, de 5% a 15% de toda a população sofre de DPOC. No Brasil, a pesquisa constatou que, na Região Metropolitana de São Paulo, 15,8% dos indivíduos com mais de 40 anos apresentam distúrbios ventilatórios obstrutivos.
Prejuízo econômico e social
Além dos prejuízos à saúde dos cidadãos, a DPOC está associada a uma carga econômica significativa. Aqui no Brasil, o SUS informa que o tratamento de pacientes com DPOC geram um custo de R$ 100 milhões de reais, por ano, aos cofres públicos.
Na União Europeia (EU), de acordo com o relatório da Gold, os custos diretos totais das doenças respiratórias são estimados em cerca de 6% do orçamento anual total da saúde, com a DPOC levando 56% (38,6 bilhões de Euros ou R$ 250 bilhões) de todo os recursos gastos com doenças respiratórias.
Nos Estados Unidos, a estimativa de custos diretos com DPOC é de 32 bilhões de dólares (R$ 176 bilhões) e os custos indiretos de 20,4 bilhões de dólares (R$ 110 bilhões).
O prejuízo psicossocial da doença também é preocupante: 23% dos portadores de DPOC consideram-se inválidos em função de seus problemas respiratórios.
Pesquisadores do Estudo Global Burden of Disease (GBD) criaram o DALY. uma unidade para medir o nível de incapacitação provocado por uma doença. A sigla quer dizer “ano de vida ajustado por deficiência” em inglês. O cálculo é feito considerando-se a soma de anos perdidos por causa de mortalidade prematura e anos de vida vividos com deficiência, ajustados pela gravidade da deficiência.
De acordo com GBD, em 2005, a DPOC foi a oitava causa principal de DALYs perdidos no mundo. Em 2013, ela havia subido para o quinto lugar. Nos Estados Unidos, a DPOC é a segunda principal causa de DALYs reduzidos, ficando atrás apenas da doença cardíaca isquêmica.
A DPOC e o coronavírus
Esse cenário já complexo ficou ainda mais perigoso em 2020, com a disseminação do novo coronavírus.
A Covid-19 costuma ser mais perigosa para pessoas com comorbidades, outras doenças que fragilizam o paciente. Esse é, certamente, o caso de indivíduos com DPOC, que já têm funções respiratórias comprometidas.
Um estudo assinado por pesquisadores da Agência de Vigilância Sanitária, da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade de São Paulo afirma que:
“Entre os fatores de risco para desfechos mais graves como a necessidade de internação em unidade de terapia intensiva (UTI) e/ou uso de ventilação mecânica e morte para a COVID-19 estão: idade de 65 anos ou mais; pessoas internadas em instituições de longa permanência; pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica, asma (moderada a grave) e dependentes de oxigênio; pessoas com problemas cardíacos graves ou descompensados; hipertensos descompensados; diabéticos; portadores de doenças cromossômicas ou estado de fragilidade imunológica; indivíduos com insuficiência renal crônica avançada; gestantes de alto risco; pessoas de qualquer idade com obesidade grave (IMC > 40); e condições médicas, como doenças hepáticas”
E se o coronavírus é “invisível”, a DPOC também pode ser. De acordo com relatório divulgado, em 2019, pelo Projeto Latino-Americano de Investigação em Obstrução Pulmonar (Platino), cerca de 80% das pessoas nem sabem que têm DPOC. Apenas 12% recebem o diagnóstico correto e, dessas, só 18% seguem o que foi prescrito pelo médico.
Tecnologia no tratamento da DPOC
Falamos sobre a gravidade da doença, os fatores de risco, e a ameaça que veio com a pandemia. A DPOC é um problema sério e, em geral, bastante negligenciado. Como eu trabalho com o setor de saúde, entretanto, quero falar também sobre soluções.
O relatório da Gold fala como os desafios da DPOC afetam toda a família e não só o paciente. “A DPOC pode forçar pelo menos duas pessoas a deixar o local de trabalho – o indivíduo afetado e um membro da família que agora deve ficar em casa para cuidar de seu parente com deficiência”.
Não precisa ser assim. Como diagnóstico e acompanhamento corretos, o paciente pode ter uma vida bem mais produtiva e evitar o sofrimento das internações hospitalares. Os custos de qualquer doença aumentam quando ela se agrava. Os impactos psicossociais crescem na mesma medida.
Entre os tratamentos recomendados pelo relatório da Gold está a terapia com oxigênio. É uma opção que não causa dor ou sofrimento, não é muito cara e pode ser realizada em casa com monitoramento a distância. O documento traz recomendações específicas para o acompanhamento remoto desse tratamento. Na Salvus, desenvolvemos uma Plataforma IoT com aplicação de Inteligência Artificial para o gerenciamento de oxigênio em hospitais e no home care. Escalar essa tecnologia para que os pacientes possam se tratar em casa com segurança será uma revolução na forma como pensamos a DPOC hoje. Enxergamos um potencial enorme para diminuir custos, desonerar o sistema público de saúde, e trazer mais qualidade de vida para os pacientes e possibilitar o atendimento de mais pessoas.
Atualmente, a Salvus está criando um projeto piloto de monitoramento a distância de pessoas infectadas com o novo coronavírus. O projeto tem apoio da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe) e da Agência Brasileira de Desenvolvimento (ABDI). As pesquisas estão sendo realizadas em conjunto com a Faculdade de Saúde de Pernambuco (FSP) e do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip).
O futuro da saúde foi acelerado com a pandemia
Nossa visão está alinhada com as necessidades da sociedade do futuro. O mundo “pós-pandemia” nos reserva muitas surpresas. Novos hábitos dos consumidores, aumento da demanda de soluções digitais para execução e gestão de atividades remotas são apenas um aspecto. A resistência à telemedicina foi quebrada com o atendimento remoto sendo autorizado durante a pandemia, mas ainda deve permanecer limitada por um bom tempo, acelerou-se ainda mais a transformação digital da saúde. Diversas healthtech surgiram ou cresceram neste contexto e prometem promover mudanças radicais, infra-estruturais e essenciais.
Estamos por aqui trabalhando para esse futuro não muito distante.
Fontes:
Universidade do Sul da Califórnia